Há algum tempo escrevi um artigo mostrando a relação entre a cultura das organizações e os respectivos modelos de remuneração. É preciso entender os dois temas para que uma coisa alavanque a outra. Agora é hora de analisar a interdependência dos processos de gente e gestão com a mudança de cultura.
Nesse artigo vamos analisar o impacto da seleção de pessoas na cultura. O que pode parecer um simples ‘processinho de RH’ de fato é uma grande alavanca para manutenção ou mudança de uma cultura.
A evolução do nível de consciência
Passamos da era industrial, já vivemos a economia do conhecimento e agora estamos entrando na era da participação. Frederic Laloux em ‘Reinventando as Organizações’ descreve esse movimento de forma bastante didática:
- 100 mil anos atrás – nos organizávamos em bandos;
- 1 mil anos atrás – passamos a respeitar a autoridade dos mais velhos, vivendo os patriarcados;
- 300 anos atrás – adotamos o modelo hierárquico de comando e controle, a gestão sob a ‘batuta do chicote’;
- 100 anos atrás – com a evolução de nossa consciência, entendemos a perspectiva do reforço positivo e ganhamos a capacidade de planejar e controlar, punindo, mas também recompensando o comportamento positivo (a cenoura);
- 15 anos atrás – já na era do conhecimento, as relações passaram a ser importantes e, por vezes, virem antes dos resultados;
- Hoje – com a vida digital, uma nova realidade, onde cada um se auto gerencia e busca um propósito evolutivo o torna relevante para o mundo. Assista ao vídeo para conhecer mais.
Mas o que essa conversa tem a ver com seleção e cultura organizacional?
Do ponto de vista processual muito, cultural ainda mais, já que a cultura precisa alavancar a estratégia. Assim, se o mercado muda, o mesmo deve acontecer com a estratégia, o que gera necessidade de ajustes na cultura.
Sendo uma das 3 alavancas de mudança cultural a seleção, trazer gente diferente para sustentar cada ajuste cultural é fundamental.
A nova realidade das empresas, tanto as ‘green quanto teal organizations’, têm como premissa o trabalho colaborativo. Por isso o gestor faz cada vez menos, controla menos, manda menos e facilita mais. Assim ambas têm, com maior ou menor profundidade, métodos ágeis impregnados na sua forma de ser e agir.
Portanto, seja por opção ou necessidade, contratar gente mediana está cada vez mais inviável. Quanto mais inteligência artificial e tecnologia dominam as atividades repetitivas, ter gente inteligente, automotivada, com capacidade crítica e resiliente é fundamental.
Seleção, do tradicional ao ágil
Pensando no processo, seleção tem ganhado novos formatos. Antes as vagas eram abertas e só então se buscava candidatos, é o processo chamado de Talent Aquisition. Mas, te pergunto, você tá a venda para ser adquirido?
Atualmente, atração e seleção começam bem antes de se abrir a vaga. Vasculha-se o mercado continuamente. Conversas com pessoas pouco convencionais disparam oportunidades. Hacktons abertos revelam mentes brilhantes. E então, técnicas de gameficação, estudo de caso, simulação, painéis e instrumentos robustos de aferição de potencial, ajudam a definir quem tem maior aderência a empresa, a cultura e ao desafio. Quanto maior o convívio prévio com a pessoa, maior o nível de certeza sobre o fit.
Pia-Maria Thoren aprofunda bastante essa discussão no livro ‘Agile People: A Radical Approach for HR & Managers (That Leads to Motivated Employees)’. Enquanto no passado a vaga que era solicitada, aprovada, aberta e então trabalhada, em ciclos de semanas ou meses, agora leva dias para ser preenchida. Mas qual é a mágica?
Seleção ágil na prática, papéis, qualidade, frequência e aprendizado
- Selecionar é papel de todos assim como do RH. A abertura da vaga é fruto de reflexão conjunta dentro de sessões do SCRUM, seja pelos inputs recolhidos pelo product owner, pelas discussões de priorização do backlog, feedback do cliente sobre a entrega ou como resultado das conversas de retrospectiva. Assim, entendendo que a vaga precisa ser aberta, uma equipe multifuncional se forma e monta um SPRINT para trazer o próximo contratado. O gestor, os pares, clientes externos e internos e o RH trabalham juntos nesse objetivo.
- Qualidade e velocidade são igualmente importantes. A busca é pela excelência. Por isso, contratar o ‘menos pior’ só pra contratar rápido perde o sentido. Usando a lógica Agile o contratado precisa ser mais capaz, auto motivado, veloz no aprender, resiliente e protagonista. Na realidade ágil, algum nível de incompetência inicial pode ser acolhido, desde que revertidos por uma curva rápida de aprendizado e evolução.
- O olhar externo constante leva ao encontro contínuo de gente boa. Com ou sem vaga aberta, na era das organizações em rede, os profissionais conversam continuamente com pessoas de diversas realidades. Isso é parte fundamental de se manter atualizado e assim também é forma garantida para se conectar e descobrir novos e, por vezes, improváveis, talentos.
- Simplicidade e aprendizado para evolução. Quanto mais se maximiza o trabalho não feito, melhor. Leia de novo essa frase. É isso mesmo, sem erro de digitação. Quanta burocracia é feita só por fazer parte do processo sem agregar valor de fato? É o tradicional ‘sempre foi assim’. Essa oportunidade de simplificar se aplica também a seleção. Os times se reúnem regularmente para conversar sobre como tornar mais efetiva a busca das melhores pessoas para o desafio, a fim de refinar e ajustar a rota.
Seleção ágil na prática, mudanças, fórum e diversidade
- Mudança de requisito é acolhida mesmo em estágios finais da contratação. O objetivo deixa de ser ‘preencher mais uma vaga’, para entregar ao negócio um profissional que agrega o maior valor possível, que traga vantagem competitiva. Se o mercado muda, o profissional necessário deixa de ser o mesmo do início. O próprio SQUAD que está trabalhando a vaga percebe isso, por ser multifuncional, e ajusta os requisitos, por ter autonomia para isso.
- Conversas face a face. Busca nas mídias sociais já foi vantagem, hoje é básico. Achar o nicho correto e o fórum adequado é agora um componente crucial da seleção. Etapas on line tem seu valor, especialmente quando existe uma observação do comportamento digital sem necessariamente ele estar atrelado a uma etapa da seleção. Entretanto, o comportamento espontâneo diz mais sobre a pessoa do que uma etapa ‘oficial’, onde a tendência de mostrar o seu melhor predomina. Conversas face a face são pilar pra efetividade da seleção.
- Diversidade muito além das minorias convencionais. Falar em multiplicidade de etnia, gênero ou deficiência são conceitos já exaustivamente discutidos e de efetividade comprovada. Em muitos casos a prática ainda se mostra mais lenta que a teoria. No mundo ágil, a diversidade inclui também pluralidade de formação acadêmica, idade e realidade cultural.
Se seleção é a primeira alavanca da cultura, recrutar e atrair um time de qualidade requer um conhecimento profundo do negócio. Difícil delegar para alguém externo e só entrar no momento de pedir os documentos admissionais, por isso o RH precisa estar cada vez mais participando do negócio e menos dos ‘processinhos do RH’.
Quer saber mais?
Leia sobre os pilares para entrar contratar certo, em seguida conheça o check list para implantar seleção por competências e 5 dicas fundamentas.
Convide os finalistas para passar um dia com quem ele trabalhá. Possibilite que ele fale com a maior variedade de pessoas possível, para ter uma noção mais certeira do caráter.
Quer aprofundar sua reflexão?
Contratado o profissional, reflita sobre a etapa de integração dentro da lógica Ágil. Em Agile People, Pia-Maria Thoren, dá uma dica incrível e simples sobre como melhor maximizar a integração do contratado. Enquanto no modelo tradicional se espera o dia 1 para começar a compartilhar conteúdo, na visão ágil, entre o aceite da proposta e o dia 1 é quando o candidato está mais engajado para fazer dar certo.
Publicado em Dezembro de 2018. Revisto e ampliado em Março de 2020.