Para Executivos
Para Jovens
Quando o cenário político e econômico incerto provoca uma série de demissões e medidas de austeridade em companhias de todo o país, não há quem não se preocupe com o que pode acontecer em sua própria empresa.
Mesmo que o setor em que ela atua esteja mais estável que os demais ou que não existam indícios concretos de que vão ocorrer dispensas ou corte de benefícios, é difícil ficar emocionalmente imune a esse ambiente de insegurança. O resultado disso pode ser traduzido em desânimo e perda efetiva da produtividade, um complicador ainda maior para o resultado de uma corporação, em um tempo já bicudo.
Há um grupo seleto de organizações, entretanto, que consegue passar por esse período sem deixar romper o fio condutor que liga seus objetivos aos dos funcionários e, desta maneira, mantém e até aumenta o ritmo de trabalho. Mas isso só é possível para quem estabeleceu essa conexão muito antes da crise.
As companhias que fizeram a lição de casa criaram vínculos que as fortalecem nesse período em que o engajamento genuíno vale ouro. A maior parte delas está entre as vencedoras de Valor Carreira deste ano. “Nesses tempos de incerteza, a qualidade da ligação entre empregado e empregador é testada”, diz Marco Tulio Zanini, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e consultor da Symballein.
“Quando o lado emocional se torna mais forte, é preciso ajudar o colaborador a colocar o pé no chão”, diz Gilles Coccoli, diretor-geral da Edenred no Brasil, que controla a Ticket. Neste momento adverso, sua companhia tem se empenhado em dar mais autonomia aos funcionários, além de incutir um sentimento de propriedade. “Estamos promovendo encontros constantes com as lideranças para que exponham suas ideias e anseios”, diz. O objetivo é mostrar que a vontade de inovar permanece e que, embora o momento seja desafiador, é possível encontrar oportunidades. “Mas também deixamos claro que isso só vai acontecer se houver muita colaboração.”
Bruno Andrade, responsável pela área de consultoria em engajamento da Aon Brasil, diz que, na medida em que o cenário externo abala o moral da equipe, é preciso dar mais atenção às questões emocionais e comportamentais. “Com o fantasma do desemprego e a incerteza econômica, é impossível engajar o colaborador apenas pela razão”, afirma. No geral, 70% dos fatores associados ao engajamento estão relacionados ao aspecto emocional. “Isso é absolutamente crítico”, concorda o presidente da Cielo, Rômulo de Mello Dias. O executivo ressalta, contudo, que a combinação entre os dois lados é muito poderosa e deve ser buscada. “Estamos falando de superação de desafios e de obstáculos.”
Para Marcus André Varanda Figueiras, diretor administrativo e de recursos humanos da Ceneged-CE, engajar é um trabalho diário que não depende do momento econômico. “Aqueles que se sentem parte da empresa são comprometidos com seu crescimento, tomam iniciativas para melhorar a eficiência dos processos e aceitam fazer sacrifícios”, diz. Em sua opinião, o fato de a companhia ter uma política contínua de estímulo ao desenvolvimento individual e também de compartilhamento das conquistas tornam desnecessárias medidas de emergência para manter o engajamento em tempos de crise.
O antídoto para a sensação de insegurança em tempos turbulentos é estabelecer uma relação de confiança. Quem não trabalhou isso antes precisa correr para criar esse laço agora. Ele só vai existir quando há uma preocupação verdadeira da companhia com a comunicação, pois os colaboradores sabem quando a intenção é séria. “Não pode haver hipocrisia”, diz o consultor Rafael Souto, CEO da Produtive.
Fábio Rios, CEO da Rio Branco Petróleo, diz que nos momentos difíceis a cúpula se coloca à disposição dos colaboradores para conversar e passar orientações para que eles possam cumprir seu planejamento sem pressões e estresse. “Não deixamos o funcionário no escuro.” O professor Zanini enfatiza que nem tudo pode ser compartilhado com as equipes nesse momento, “mas a pessoa não pode se sentir isolada na empresa, sem saber o que está acontecendo”.
A Ale Combustíveis sempre divulga metas e resultados para que os colaboradores saibam qual é a real situação da companhia. “Mostrar o andamento da empresa tranquiliza o funcionário. Ele sabe que as decisões são tomadas com base em critérios claros”, afirma Marcelo Alecrim, presidente da empresa.
Para Bruno Andrade, da Aon, é fundamental na crise que o líder coloque a comunicação como prioridade em sua agenda, mesmo que seja para dizer a todos que não sabe o que pode acontecer. “Quando o funcionário percebe que a empresa está sendo sincera, ele retribui em cada processo, em cada atitude e com cada cliente”, diz Guido Savian Jr., sócio-proprietário do consórcio Embracon. O CEO da Benteler Automotive, Matthias Gronies, diz que se a companhia age de forma transparente, todos entendem as necessidades do negócio. “Demitir é um processo doloroso, mas nós temos que nos adequar ao mercado”, diz.
A liderança que se mostrar estratégica na turbulência pode até ganhar mais poder junto aos funcionários. A consultora Betania Tanure, da BTA Associados, diz que o importante é o funcionário enxergar consistência nas ações e, principalmente, senso de justiça nas decisões. De acordo com ela, não dá para esperar que a pessoa fique alegre ao ver enxugamentos e cortes, mas, se houver coerência, ela pode se esforçar para ajudar a companhia a superar uma fase ruim. “É preciso ter cuidado para atravessar esse período com equilíbrio, pois não sabemos quanto tempo vai durar.”
Para Ana Luiza Veríssimo, do Instituto Coppead, é importante o topo da companhia deixar claro que não está pensando apenas no curto prazo. “Esta mensagem tem que chegar à base”, diz. O diretor-executivo do Bradesco André Rodrigues Canos, responsável pela área de recursos humanos, diz que o banco não está se guiando apenas por aquilo que pode acontecer hoje ou daqui a seis meses. “As pessoas continuam apostando suas carreiras aqui dentro. Elas sabem que a crise passa e outros ciclos virão.”
A Ambev, segundo o vice-presidente de gente e gestão, Fábio Vieira Kapitanovas, reforçou a comunicação dos objetivos de longo prazo para suas lideranças nos últimos meses e mostrou para as equipes quais são as expectativas até 2020. “Quando fazemos isso, o time perde esse receio em relação ao ambiente macroeconômico”, afirma. Para o presidente da Niplan, Nelson Marchetti, a missão da companhia deve estar em evidência o tempo todo. “Fizemos um roadshow recentemente com os projetos da empresa, onde reafirmamos nossa identidade estratégica”, diz.
Bruno Andrade, da Aon, diz que é crucial nesse período olhar o colaborador como indivíduo, pois cada um reage de uma forma. Manter os treinamentos, em especial na área comportamental, pode ser um sinal de que a empresa se importa com o funcionário, independentemente da situação econômica. “Se não existe dinheiro para contratar programas fora, a empresa pode fazer uma capacitação internamente. O importante é mostrar que está olhando para o futuro”, diz a pesquisadora Ana Luiza.
O vice-presidente de recursos humanos da Electrolux, Valmir Buscarioli, garante que, mesmo na crise, os gestores da companhia estão frequentando programas em sua academia de lideranças. “Assegurar que nossos gestores estejam preparados é parte da nossa estratégia para garantirmos o engajamento dos colaboradores.” Na Lojas Renner, a política é realizar os mesmos treinamentos com custos menores. “A nossa cultura é testada em momentos de crise. Se ela mudasse, significaria que a empresa não tem valores fortes”, diz Clarice Costa, diretora de recursos humanos. “Temos que segurar as pessoas talentosas para sairmos da crise crescendo.”
Quem está entre o topo e a base da pirâmide tem um dos papéis mais difíceis neste momento. “Muitas vezes ele teve que reduzir a equipe, mas o trabalho não diminuiu”, diz Rafael Souto, da Produtive. A pressão vem de todos os lados. “O gestor médio que não está bem preparado e informado pode jogar a favor do empregado por amizade e criar uma rede de proteção contra a própria empresa”, diz o pofessor Zanini.
A diretora administrativa e de pessoas do Laboratório Sabin, Marly Vidal, diz que neste momento de alerta tem realizado mais encontros com as lideranças para discutir produtividade e gerenciamento. “Falamos sobre qualidade e conscientização como, por exemplo, a questão do desperdício”, diz. A Seta Engenharia realiza videoconferências com diretores e gestores de obras. “Pedimos um olhar cirúrgico sobre os custos e também para se manterem firmes, sem depressão ou conversas paralelas”, diz Rodolfo de Sousa Pinto, sócio e diretor comercial e de sustentabilidade.
Na turbulência, quem está no comando “precisa dar o exemplo e provar que o discurso está alinhado com a prática”, diz Rafael Souto, da Produtive. Como se diz no mundo corporativo: “walk the talk”.
Publicado em outubro de 2015
Fonte: http://www.valor.com.br/carreira/4292330/muita-calma-nessa-hora