Para Executivos
Para Jovens
No passado os cursos de gestão recomendavam separar a vida pessoal da profissional. Sugeria-se que alguém podia pendurar seu traje pessoal no cabide, pegar o uniforme de trabalho, esquecer o que acontecia em casa durante o expediente e depois fazer o inverso. Luiza Helena Trajano foi uma das primeiras líderes a falar abertamente sobre a inexistência desse botão liga/desliga e a importância de respeitarmos o ser humano como unidade. Considerando que somos um só, que essa separação pode se restringir a temas mas dificilmente a emoções e sentimentos, qual a relação entre felicidade no trabalho e estar na cadeira certa?
Sumário
Existem marcadores considerados de sucesso, como por exemplo cargo, remuneração, bônus, benefícios. Entretanto já se descobriu que atingir a todos eles não significa ter felicidade no trabalho. Essa linha de chegada imaginária tem sido desfeita dia a dia por executivos que a cruzaram e de fato sentem um grande vazio. Assim ele explica o aumento considerável de contratação de processos de coaching e auto conhecimento por essa fatia do mercado.
Já que os marcadores de status não garantem felicidade no trabalho, o que garante? O caminho para essa resposta passa longe de aspectos rígidos e generalizados, uma vez que a felicidade no trabalho é basicamente subjetiva e individual. Ela tem uma grande conexão com a personalidade, os valores e os sonhos de cada um.
Começando pelos sonhos, o fio da meada começa pois com a identificação dos grandes objetivos reais. E aqui há uma grande sobreposição com o propósito do indivíduo. O que realmente te move, o que tem sentido e significado? Isso é bastante diferente de uma meta financeira, da compra de uma casa ou contratação de um tipo de formação. Estamos falando de legado que se deseja construir e deixar. O conceito de propósito de Simon Sinek pode ser uma boa referência de como fazer isso. Trabalhar sem a percepção de realização de algo com um significado maior de fato subtrai da equação da felicidade no trabalho.
Entrando nos valores, distinguimos o fundamental do inadmissível. Trabalhar respeitando o que lhe é caro, faz com que a cabeça chegue ao travesseiro sem reparo e assim nos permite contar a plenos pulmões o que temos feito sem esconder nada. Aqui mora grande fonte de orgulho. A discrepância entre os valores pessoais e o que é praticado no dia a dia reduz, e muito, a felicidade profissional.
Por fim, incluindo a personalidade, pegue uma caneta e escreva seu nome inteiro em um papel. Agora faça a mesma coisa com a mão contrária, sem abreviações. Qual a diferença de destreza, velocidade, legibilidade e qualidade entre os dois? Pois aqui mora a importância de se conhecer e fazer escolhas pessoalmente ao invés de socialmente corretas. É aqui que alguém escolhe permanecer como contribuinte individual ao invés de aceitar a promoção para líder por saber que em um está escrevendo ‘com a mão certa’ e no outro passará, mesmo com depois de muito esforço, a nadar sem parar contra a correnteza. Uma necessidade pontual de ‘interpretar um personagem’ faz parte, quando diuturna, mina a felicidade profissional.
Pense nas pessoas a sua volta e então observe como cada um tem talento para uma coisa distinta. Em seguida comece a desenhar o que seria a cadeira certa para cada perfil com quem você convive. Seja detalhista em especificar as nuances e particularidades. Está impressionado como as cadeiras são diferentes?
Vamos lembrar daquele jogo de criança que uma placa com vários vãos e cada um deles de um formato, triângulo, retângulo, círculo, quadrado e por ai vai. Lembra da criança tentando encaixar o triângulo no vão do retângulo? É isso que fazemos como líderes, RHs e organizações ao ficar forçando o cara em uma cadeira que é incompatível com a natureza dele. Certamente o ser humano tem mais adaptabilidade que uma peça de brinquedo, treinamentos e formas de desenvolvimento estão ai para facilitar (tipo vaselina…). Ajustes suaves podem ser importantes espaços de lapidação em melhoria. Já a mudança total de curso, indo contra a essência… é como tentar que um paciência de tipo sanguíneo O receba sangue tipo A e dê conta do recado…
Um cara recém formado, recém contratado, recém promovido, recém qualquer coisa, ainda está dando conta de digerir o básico a sua volta. Alguns fazem isso muito rápido e outros levam um pouco mais de tempo. Nessas horas a liderança tem, ou deveria ter, um papel fundamental de orientação, sugestão, alerta, discussão de possibilidades.
Mas o que acontece quando o líder está ele mesmo infeliz com o trabalho? E quando essa infelicidade é fruto dele ter sido colocado na cadeira errada? Aqui estamos falando da síndrome de tartaruga no poste, ou usando um termos mais formal, o Princípio de Peter. Ela acontece nas melhores famílias!
Alguns sinais podem indicar que há algo de errado no nível de felicidade no trabalho e justificar uma análise da capacidade da liderança em sentar na cadeira onde se encontra:
Isso é generalizado por toda a estrutura ou mais concentrado em uma área ou em um nível hierárquico? Nossa experiência tem mostrado que, com crise ou sem crise, altos nível de insatisfação e ‘doença emocional’ são fruto de líderes na cadeira errada. Afinal, a equipe é apenas reflexo da boa ou má liderança.
Há algum tempo recebemos a demanda de um grande cliente para mapear o potencial de 18 executivos de uma unidade de negócio. Enquanto a empresa performava bem, aquela BU deixava a desejar e o que intrigava a cúpula de decisão é que o líder principal vinha de grandes resultados em desafios anteriores. Mapeamento de potencial feito e… eis a resposta. Dentre os 18, 9 estavam com um nível alto de tristeza por ter posição de liderança mas isso ser absolutamente contrário a sua personalidade. Na prática 9 talentos foram colocados no poste, pois normalmente se promove quem está indo bem (esperamos!), tornando-se tartarugas.
Quanto um mapeamento de personalidade prévio teria poupado tanto sofrimento? Custa caro movimentar o indivíduo para uma posição além do que ele dá conta. Além do impacto financeiro, existe o moral, de auto estima e de restrição de recolocação futura. Sem falar dos riscos de desenvolvimento de doenças emocionais: depressão, crise de ansiedade, síndrome do pânico, burnout, desmotivação, infelicidade, prostração…. a origem nao é só essa, mas as chances de desenvolver uma delas nadando contra a correnteza são consideráveis
Nenhuma tartaruga sobe sozinha no poste, alguém a colocou lá. Uma vez que o estrago é evidente, tanto para quem subiu quanto mais seus liderados, a questão é como tirar ela de lá. Em empresas saudáveis, sem politicagem e nem agenda oculta, isso seria tratado com respeito e transparência. Quem promoveu errado assume o erro, se desculpa e encontra uma alternativa factível e útil àquele profissional dentro da estrutura. Entretanto, a realidade acontece com alguns senões:
Na falta de alternativa financeiramente compatível, a conversa franca é sobretudo fundamental. O profissional precisa saber de sua dificuldade, a correlação com seu sofrimento profissional e por isso a inexistência de caminhos possíveis dentro da empresa. Sem esse entendimento, ele vai tocar o barco e ser o primeiro cortado na próxima crise. Sabendo da realidade ele tem tempo para se preparar e fazer um ajuste de carreira mais planejado.
Quando o ‘padrinho‘ prefere cuidar da própria imagem a fazer o certo eu pergunto, esse padrinho deveria seguir ali? Esse comportamento cultiva uma cultura organizacional de confiança, honestidade, transparência? Pois deixo essa pergunta para você pensar!
Publicado em Maio de 2020