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Carreira em Y e Retenção de Talentos
Sumário
Você sabe o que é carreira em Y? É comum ouvir frases do tipo: “Meu filho agora se tornou importante, virou gerente!”, “Quando eu for chefe, a vida será melhor”, “Ele é uma pessoa de sucesso, diretor na empresa XPTO”. Existe de fato uma visão geral, em especial na cultura brasileira, de que estar em posições de liderança é o mesmo que ter êxito e que posições sem escopo de gestão têm menor peso. Mas esse paradigma cai por terra quando ao falar nomes como Albert Einstein, Mozart, Dráuzio Varela, Peter Drucker, Pelé, Ayrton Senna.
A fim de serem referência em sua área de atuação e reconhecidos pelo mundo a fora, eles partilham o fato de terem sua excelência alcançada através do desempenho de atividades sem dever formal de gestão de pessoas. Sua relevância vem então de feitos individuais ou coletivos, nesse caso com atuação como parte do trabalho em equipe.
Ainda que até pouco tempo existia no mundo corporativo um único meio possível de carreira: a linear. Nesse formato, a pessoa tem assim três tipos de movimentação na empresa: crescimento vertical, estagnação ou demissão. Contudo, com a evolução dos estudos relacionados a competências e perfis dos profissionais, ficou claro que as pessoas são diferentes (Drucker, 1999).
Mesmo com a mesma família, escola, amigos, vida acadêmica e a profissão, as diferenças de fato existem. Por mais parecido que seja o trajeto, a forma como cada um reage aos estímulos e experiências varia de uma pessoa para outra.
Assim casos em que se “promoveu um grande profissional e ganhou um péssimo líder” (promover errado) surgem sempre nas conversas do trabalho. Significa isso uma simples falta de competência do indivíduo? Ser ou não competente está longe de ser uma questão binária, mas sim subjetiva, pois comprovar competência para uma atividade não garante que se tenha o necessário para todas as outras.
Situações como essa mostram que a Carreira Linear apresenta limitações para o crescimento de pessoas, em especial as com perfis muito técnicos (Noe, 2002). Como as pessoas diferem entre si, um percurso único de carreira está portanto longe de atender a todos os perfis. Sabendo disso, a energia, os recursos e o tempo devem ser dirigidos para transformar uma pessoa competente em um astro de desempenho (Drucker, 1999).
Da necessidade de utilizar o melhor de cada um, além do que cada negócio precisa, surgiu o conceito de “Carreira em Y”: um sistema de promoção cujas as ramificações representam as evoluções de hierarquia paralelas em um eixo de gestão e um eixo técnico especialista. Cada caminho possui então uma série de degraus e respectivos raios de atuação, sempre mais exigente e melhor remunerado que o anterior (Goldner and Ritti, 1967).
Por seu formato duplo, a Carreira em Y se mostra portanto como um plano de desenvolvimento de carreira que oferece a partir de determinada senioridade mobilidade ascendente aos profissionais sem exigir que eles sejam alocados em posições de supervisão ou gerência para subir na hierarquia (Noe, 2002). Trata-se de uma forma de promover aqueles com formação e/ou habilidade técnica específica, mas sem interesse ou perfil para seguir um eixo de gestão (Society of Human Resources Management, 2010).
Para que uma empresa tenha êxito na implantação e manutenção de um modelo de Carreira em Y, os especialistas devem ser tão reconhecidos quanto os generalistas (Zanfardino, 2008), ao reduzir os sentimentos de injustiça (Cesare and Thornton, 1993). Equidade é portanto a palavra de ordem. Isso significa oferecer de fato oportunidades equivalentes de remuneração, benefícios, status (Feuer, 1986), tomada de decisão (Buckles et al., 1984) e evolução (Michael-Roth, 1982) para ambos os caminhos.
Constata-se que há equidade quando os profissionais sentem que ambas as trilhas de carreira recebem o mesmo prestígio (Feuer, 1986). Para isso se faz vital que o eixo especialista não seja um depósito de profissionais fracassados, com histórico de entregas aquém do esperado (Michael-Roth, 1982; Buckles et al, 1984)*. Apesar das competências e perfil demandados para cada caminho diferirem, o rigor com que se avalia cada eixo precisa ser o mesmo (Zanfardino, 2008), com nível de exigência idêntico em termos de objetivos e metas (Cesare and Thornton, 1993).
Mais do que as palavras, a forma de se comportar dos profissionais em posições chave funciona como modelo e encoraja as pessoas a agirem como eles (Schein, 1985). Do contrário, qualquer tipo de favoritismo elimina o senso de equidade e assim faz cair em descrédito a Carreira em Y (Zanfardino, 2008).
A dificuldade em se reconhecer a aplicabilidade de uma estrutura de cargos e salários iguais para ambos os caminhos se dá ora por paradigmas culturais (Zanfardino, 2008), ora por falta de conhecimento, ora pela falta de necessidade de tal estrutura devido à natureza do negócio. Assim como qualquer outra prática ou política de gestão, a existência de uma estrutura de Carreira em Y só faz sentido quando compatível com o negócio.
A demanda pelo eixo especialista é de fato mais frequente em segmentos com elevado componente científico, médico, tecnológico e de engenharia. Isso se dá por essas áreas demandarem elevado nível de treinamento e conhecimento técnico e prático, requererem inovações rápidas e constantes, além de credenciais e titulações que comprovam o nível de risco muitas vezes envolvido (Fiester, 2010).
No setor de construção civil, por exemplo, grandes construtoras necessitam de experts em projetos e cálculo estrutural. Já no ramo da saúde, um hospital só se torna referência em determinada patologia quando possui em seu quadro os melhores médicos nela. Oposto de algo desejável, mas muitas vezes é o que determina a cura e a morte. Nos casos onde o especialista é fundamental para a essência do core business, a remuneração e o reconhecimento dado devem seguir portanto a mesma lógica e ordem de grandeza que os generalistas.
Ao olhar o segmento de alimentação, em restaurantes gourmet, o chef, o sommelier e o restauranteur são especialistas essenciais, devendo ser recompensados e reconhecidos como tal. Já em uma rede de restaurantes por quilo ou de comida universitária, os níveis de sofisticação, tendências, criatividade e antecipação ao mercado são menores (assim como as margens para viabilização do negócio e disposição do consumidor do valor a pagar).
Por isso a equivalência de remuneração e reconhecimento deixa de ser aderente ao negócio. Quando compatível com o negócio, a equidade deve ser buscada de modo corporativo, sem ser como forma de atender às demandas pontuais de um e outro indivíduo (o que indicaria uma gestão de cargos e salários pessoalizada, muitas vezes conflitante com o imperativo de forma imparcial no ambiente, o chamado ‘personograma’).
Ser generalista é diferente de ausência de uma área de atuação, mas sim uma de ser gestor em sua área de especialidade. Do ponto de vista externo do mercado, todo generalista é também um especialista por dominar ao mesmo tempo práticas de gestão e nuances únicas do negócio (Mintzberg, 1973).
Quando se fala em dois eixos (especialista e generalista), são os múltiplos rumos dentro de cada um. No eixo técnico há tantas especialidades quanto cada negócio precisar: médicas, biológicas, químicas, engenharias, de pesquisa, pessoas, logística, de mercado e assim por diante. O mesmo vale no eixo generalista, pois o gestor administra a multiplicidade dentro de algum tipo de especialidade (por área, segmento de atuação, negócio e/ou indústria). Mas do lado de dentro é preciso reconhecer as diferenças entre eles (Bailyn, 1980).
Muitas formas de atração, motivação, evolução e retenção de talentos pecam pela não distinção dessas duas populações (Cesare and Thornton, 1993). Assim, à medida que tais diferenças são reconhecidas, a empresa passa a ter recursos e consistência para aprimorar:
Quando isso deixa de acontecer, especialistas tendem a deixar a empresa, mesmo em áreas de elevado potencial e crescimento (Cesare and Thornton, 1993).
O desconhecimento ou simples falta de reconhecimento sobre as diferenças entre as duas populações leva profissionais altamente qualificados a serem contratados e promovidos com base apenas em suas competências técnicas para posições de supervisão ou gerencia, sem que sejam treinamento para tanto e muitas vezes sem desejo de assumir tal posição (Buckles et al, 1984). Uma movimentação mal sucedida pode gerar diversos ônus para a empresa:
O especialista por sua vez, além de se frustrar, se torna obsoleto. O tempo, esforço e energia dedicados a sua evolução como gestor provém do que seria investido para manter-se atualizado em seu campo de expertise. Assim, cria-se um gap entre o quanto ele está atualizado em sua expertise e o que o mercado exige em termos de modernidade para que ele continue sendo considerado uma referência na área (Buckles et al, 1984). Mesmo que se reconheça tratar-se de um fracasso do individuo como gestor, e lembrando-se que antes ele era um sucesso como especialista, uma marca invisível e inconsciente de “falta de aptidão” se forma aos olhos dos outros e da própria pessoa, o que limita em ser efetivo em seu campo de atuação.
Na falta de uma estrutura salarial igualitária para ambos os vértices do Y, o fracasso de um especialista como gestor em geral acaba com o seu contrato de trabalho. Isso ocorre porque usualmente inexiste na empresa qualquer posição com salário páreo sem demandas de gestão, e a legislação brasileira impede de se demover alguém em termos de remuneração. Em nome da boa gestão do pilar financeiro, ele se torna portanto caro.
Investir em conhecer a si mesmo pode ser visto como moderno. Há 20 anos o tema estava longe da lista de prioridades dos grandes executivos. Por ser recente e pela ausência de opção na Carreira Linear, assiste-se agora um movimento que cresce de profissionais com uma trajetória puramente generalista que buscam se conhecer e, felizmente, se dando o direito de mudar para o eixo.
Um caso interessante é o de uma líder de equipe com passagens por diversas multinacionais, com excelentes resultados de retenção de clientes e qualidade de processos entregues, mas com uma rotação assustadora em sua equipe direta e volume de horas extras fora do comum. Depois de uma conversa com o RH responsável, esse caso começou a ser tratado. Era a respeito de uma profissional brilhante, apaixonada pela empresa e pelo trabalho técnico, com profundo “conhecimento de causa”, mas à beira de um colapso nervoso. Dessa forma, ao ouvir sua equipe e entrevistar os que pediram demissão, como parte de uma avaliação para identificar o potencial do profissional, ficou claro se tratar de um caso clássico de excelente técnico que sofria por ocupar um lugar de gestão.
A mudança de posição foi explicada, junto com com as razões para a profissional, assim como seus gestores imediatos e mediatos, além de pessoas de sua equipe. A quebra de paradigmas internos da profissional influenciada pelas crenças sociais, sobre a menos valia das posições sem gestão, demandou tempo, muitas conversas e a intervenção de um terapeuta. Após dois meses no cargo de especialista, lidando com pessoas de todas as áreas, com grandes atribuições, mas sem gestão de pessoas, os resultados superaram as expectativas, o que resultou no: aumento na auto satisfação, redução de stress e doenças relacionadas, melhoria na relação interpessoal, redução do turnover na equipe anterior e das horas extras, maior qualidade e velocidade no atingimentos de resultados relativos a nova função.
Além disso, esse caso serviu de referência para outros profissionais se desfazerem de seus próprios mitos e buscarem mudanças de posição que tenham mais sentido em relação ao seu perfil. Sem ter o eixo especialista, seria relevante o desperdício em termos de turnover (perda de talentos que cansaram do estilo do líder sem potencial para tal), o baixo uso da expertise, a saúde e outros reflexos.
Atrair e reter pessoas é estratégico para qualquer companhia no momento de competição atual. Reter talentos é fundamental para manutenção da vantagem competitiva de uma empresa (Cesare and Thornton, 1993). Sem se tratar apenas de uma demanda por “braço”, mas também por “cérebros”, uma vez que são eles a única vantagem competitiva de fato sustentável segundo a definição de Barney (1991) e Hoffman (2000)[1]. Portanto atrair e a reter talentos são por isso o primeiro grande benefício de se implantar a Carreira em Y.
A empresa que oferece rumos para técnicos e gestores, com recompensas equivalentes, possui assim grande vantagem no recrutamento (Meisel, 1977), desenvolvimento e motivação dos experts (Cesare and Thornton, 1993). Assim o turnover indesejado é reduzido uma vez que as chances para os sêniores passam a ser maiores e melhores (Louisiana Department of State of Civil Service – Fiester, 2010). Com a opção da Carreira em Y os especialistas conseguem ir além em termos de liberdade, remuneração e tomada de decisão. Ao permitir que cada um opte por sua área de expertise, a Carreira em Y elimina assim a pressão para se criar as “posições especiais” como forma de dar aumento salarial de forma pessoalizada. E faz com que os especialistas enxerguem estímulos externos reais para continuar se aprimorando (Fiester, 2010), sem precisar sofrer em posições que demandam pouco de suas forças e muito de seus ponto fracos.
Do ponto de vista dos indivíduos, ter a opção de crescer na hierarquia fazendo aquilo que se gosta (onde se é destaque) se tem portanto como a grande vantagem de atuar em locais com uma política efetiva de Carreira em Y. Sendo que sem termos a energia disponível para o trabalho finita, fazer o que se gosta significa de fato o ganho de produtividade e satisfação para si próprio.
Esperar que a empresa perceba isso e ofereça à seu pessoal a opção de diferentes rumos mostra-se uma atitude incoerente com a ideia de carreiras auto gerenciadas (Briscoe and Hall, 2006). Ao mesmo tempo em que cabe às empresas ter a estrutura em Y e avisar às equipes, cabe a cada um investir em conhecer a si mesmo para saber suas forças e buscar empresas e rumos onde elas sejam relevantes. Segundo Drucker (1999), o segredo não está em tentar mudar a si mesmo, pois o sucesso é pouco provável nesse caso, mas sim em conhecer e gerir seus pontos fortes.
O que seria então do Michael Phelps se ele quisesse se tornar um grande piloto de Fórmula 1? Se tornaria tão bem sucedido em termos de prêmios quanto o Michael Schumaker? Ou ainda se ele optasse por uma carreira como empresário, seria ele o próximo Carlos Slim ou Bill Gates?
Partindo então da teoria para a prática, os principais pontos requeridos para a criação de uma estrutura de Carreira em Y são:
Por que então é ainda incomum encontrar empresas com estruturas coerentes de carreira? À medida que o tema é mais difundido, discutido e conhecido, que o RH se torna melhor qualificado e, que os gestores focam na gestão pelos pontos fortes, as empresas cujo negócio requer especialistas no mesmo nível que os generalistas passam então a tê-la. Trata-se assim de uma questão de tempo.
Enquanto poucas empresas possuírem uma estrutura de Carreira Y, os que são grandes especialistas por natureza vão continuar a optar pelo eixo generalista. A falta de equidade financeira e de se reconhecer a sujeito, torna o dinheiro o principal na escolha de um caminho no lugar do outro. Dessa forma, trata-se de uma escolha baseada em retorno financeiro de curto prazo. Isso, pois no médio e longo prazo, para alguém sem emprego, algo “mais ou menos”, tende a chegar em retornos e velocidade de ascensão cada vez menores.
Em suma, à medida que a busca por se conhecer aumenta, a reflexão sobre passado, presente e futuro deixam de ser tabu e passam a ser obrigação de executivos bem resolvidos, as questões sobre que caminho seguir envolve mais do que só aspectos financeiros. Nesse momento, as empresas sem a opção de carreira em Y, perdem assim os atrativos para os candidatos e a capacidade de retenção de atuais talentos.
*Nota do autor em Junho de 2020 – é o que chamamos de tartaruga no poste ou parada de super promovidos.
[1] Hoffman (2000) – Vantagem competitiva sustentável é o benefício prolongado de implementar uma estratégia única de criação de valor sem simultaneidade com qualquer concorrente atual ou potencial e de forma que nenhum deles tenha portanto habilidade de duplicar os benefícios de tal estratégia.
Publicado em Julho de 2011 – Revista BSP. Atualizado em Junho de 2020 pelo mesmo autor.
Referências utilizadas nesse artigo: link para as referências bibliográficas.